quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PRESENÇA REAL DE JESUS CRISTO NA EUCARISTIA



"A MINHA CARNE É VERDADEIRA COMIDA... MEU SANGUE, VERDADEIRA COMIDA" - O SANTÍSSIMO CORPO E O PRECIOSÍSSIMO SANGUE DE NOSSO SENHOR E SALVADOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO

Rafael Vitola Brodbeck
 “‘Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão, que eu dei de dar, é a minha carne para a salvação do mundo.’ A essas palavras, os judeus começaram a discutir, dizendo: ‘Como pode este homem dar-nos d comer a sua carne?’ Então Jesus lhes disse: ‘Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue, verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim. Este é o pão que desce do céu. Não como o maná que vossos pais comeram e morreram. Quem come deste pão viverá eternamente.’” (Evangelho de São João, VI, 51-58)

Aparecendo a Santa Juliana de Mont-Cornillon, abadessa de um mosteiro agostiniano, Nosso Senhor Jesus Cristo a inspira para que ajude na instituição de uma festa em honra de Sua real presença no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Apesar dos protestos dos hereges, principalmente albigenses – que, por seu dualismo gnóstico, negavam qualquer relação entre os planos espiritual e material, que é justamente o princípio para entendermos a Eucaristia –, Dom Roberto de Thourotte, Bispo de Lieja, estabelece em sua circunscrição, no ano de 1246, por influência das visões de Santa Juliana, a festa que mais tarde seria conhecida como Corpus Christi. Estendida pelo Cardeal Hugo de Saint-Cher para toda a Alemanha, a comemoração é logo assumida como oficial em toda a Igreja Ocidental pelo Papa Urbano IV, que, em 1264, mediante a Bula Transiturus, ordena sua celebração.

Os carmelitas e os dominicanos, nos primeiros anos de sua oficialização, constituem-se em autênticos apóstolos da festa de Corpus Christi. É, aliás, um dominicano, a glória da Ordem fundada por São Domingos, que irá, a pedido de Urbano IV, compor o próprio da Missa e os ofícios da Liturgia das Horas do Corpus: São Tomás de Aquino revela-se não apenas um excelente teólogo e filósofo, mas também um inspiradíssimo compositor sacro. Todas as orações constantes no Ofício Divino e no Missal para esse dia são de sua autoria.

A Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, longa denominação para esse festa medieval que tanto foi necessária para reafirmar o dogma católico frente aos ataques heréticos, se faz urgente nestes tempos em que vivemos. O ódio atual à doutrina da presença real de Cristo na Eucaristia talvez só seja superado pelo dos tempos de Berengário de Tours, ou pelo dos primeiros protestantes que negaram tão vital dogma de nossa santíssima religião. Vários padres e famosos teólogos, ao invés de defenderem a doutrina, transformam-se, embebidos de modernismo e relativismo religioso, nos principais adversários do maior presente que nos foi deixado por Nosso Redentor: Sua presença nos sacrários de toda a terra.

De fato, é grave a situação em que nos encontramos. Urge que a Santíssima Eucaristia seja defendida, tal como nos foi revelada por Deus em Cristo, conforme nos expressa o cristalino texto evangélico pelo Lecionário disposto para a Missa Solene de hoje. A Carne de Jesus é verdadeira comida, e Seu Sangue verdadeira bebida. Não aparente, não simbólica.

“Por isso, não olhem o pão e o vinho como simplesmente isso, pois eles são, de acordo com as declarações dos mestres, o Corpo e o Sangue de Cristo.” (São Cirilo de Jerusalém; Catequeses Mistagógicas, 4, 6)

Há, pelas palavras do sacerdote – que age in persona Christi, e por isso, em virtude do sacramento da Ordem por ele recebido, faz as vezes do Senhor, não só na renovação do sacrifício da Cruz, senão também na conversão das espécies eucarísticas no sacramento que se quer celebrar –, uma autêntica mudança. É o que diz São Gregório de Nissa: “Corretamente, então, cremos que o pão consagrado pela palavra de Deus se torna o Corpo de Deus.” (Grande Catecismo, 37) E também Santo Ambrósio, Bispo de Milão: “Vós podeis talvez dizer: ‘meu pão é pão comum.’ Mas esse pão é pão somente antes das palavras sacramentais; quando é consagrado, então, é a Carne de Cristo.” (Os Sacramentos, 4, 4, 14) O pão se muda para Carne de Cristo; o Sangue se muda para Sangue de Cristo. Não é uma mudança de forma, pois os acidentes continuam os mesmos; aparência, gosto, cheiro de pão e de vinho. Refuta-se a transformação, ora. Tampouco uma mudança de significado ou de finalidade. Não é que o pão se mude “para nós” em Cristo, ou que os católicos tenhamos entendido nesse significado, num calvinismo eucarístico explícito. Condena-se, pois, o termo “transignificação” ou “transfinalização”.

Na Eucaristia existe um símbolo de muitas coisas, é verdade. Mas esse simbolismo não esgota o sentido do sacramento. Quanto à presença de Jesus Cristo, não há que se falar em sinal ou símbolo, eis que está essencial e realmente presente. Palavras do Papa Paulo VI a esse respeito: “Não é lícito, só para aduzirmos um exemplo, exaltar a Missa chamada ‘comunitária’, a ponto de se tirar a sua importância à Missa privada; nem insistir tanto sobre o conceito de sinal sacramental, como se o simbolismo que todos, é claro, admitimos na Sagrada Eucaristia, exprimisse, única e simplesmente, o modo da presença de Cristo neste sacramento; ou ainda discutir sobre o mistério da transubstanciação sem mencionar a admirável conversão de toda a substância do pão no corpo e de toda a substância do vinho no sangue de Cristo, conversão de que fala o Concílio Tridentino; limitam-se apenas à transignificação e transfinalização, conforme se exprimem. Nem é lícito, por fim, propor e generalizar a opinião que afirma não estar presente Nosso Senhor Jesus Cristo nas hóstias consagradas que sobram, depois da celebração do Sacrifício da Missa.” (Carta Encíclica Mysterium Fidei, 11)

Os inimigos da presença real de Cristo precisam ser vencidos novamente. Atacando o preciso dogma da transubstanciação, i.e., da mudança de substância do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Nosso Senhor, acabam por desferir suas mortais rajadas no próprio Jesus, que instituiu tão formidável sinal de Sua graça e tão real manifestação de Sua presença.

Crêem os hereges, claro, que a Eucaristia é um sinal, um símbolo da presença de Jesus Cristo. Quando Ele falou que aquele pão partido e aquele vinho no cálice eram Seu Corpo e Seu Sangue (cf. Lc 22,19-20), teria querido dizer que se tratava de um símbolo de Sua presença santíssima, ou de uma presença espiritual. Sobre esse tema, já se adiantava profeticamente São Boaventura, teólogo maior da Ordem Franciscana: “Estar Cristo no Sacramento como num sinal, nenhuma dificuldade tem; estar no Sacramento verdadeiramente, como no céu, tem a maior das dificuldades: é pois sumamente meritório acreditá-lo.” (In IV Sent., X, P. I, a. un., q. I; Opera Omnia, N, 217)

Temos insistido, sobremaneira, em algumas de nossas meditações, sobre o caráter sacrificial da Eucaristia, enquanto renovação, atualização do Calvário, coisa que também é atacada pelos modernistas, pelo menos na prática face à bagunça litúrgica que presenciamos e a diminuição do sagrado na Santa Missa, assemelhando-a a um simples culto piedoso de oração ou a uma reunião protestante. Longe de querer mudar a estratégia, acrescentamos a essa defesa, humilde confessamos, que vínhamos fazendo, outro ponto sobre a Missa: nela não só se torna presente o sacrifício de Nosso Senhor, como também por ela ocorre a mudança das substâncias contidas na espécies eucarísticas, convertendo-se o pão e o vinho em verdadeiros Corpo e Sangue de Jesus Cristo.

É o ensino do Tridentino:

“Em primeiro lugar, ensina o Santo Concílio, claramente, e sinceramente confessa que depois da consagração do pão e do vinho, fica contido no saudável sacramento da Santa Eucaristia, verdadeira, real e substancialmente nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e Homem, sob as espécies daqueles materiais sensíveis, pois não existe com efeito, incompatibilidade que o mesmo Cristo nosso Salvador esteja sempre sentado, no Céu, à direita do Pai, segundo o modo natural de existir e que ao mesmo tempo nos assista sacramentalmente com Sua presença, e em sua própria substância em outros lugares, com existência que ainda que apenas o possamos expressar com palavras, poderemos, não obstante, alcançar com nosso pensamento ilustrado pela fé, que é possível a Deus, e devemos firmemente acreditar.

Assim pois, professaram clarissimamente todos os nossos antepassados que viveram a verdadeira Igreja de Cristo, e trataram deste santíssimo e admirável Sacramento, a saber: que nosso Redentor o instituiu na última ceia, quando depois de ter benzido o pão e o vinho, atestou a seus Apóstolos, com claras e enérgicas palavras que lhes dava Seu próprio Corpo e Seu próprio Sangue. E sendo fato consumado que as ditas palavras mencionadas pelos mesmos Santos Evangelistas e repetidas depois pelo Apóstolo São Paulo, incluem em si mesmas aquele próprio e patentíssimo significado, segundo as entenderam os santos Padres, é sem dúvida execrável a maldade com que certos homens pretensiosos e corruptos as distorcem, violentam e tentam explicar em sentido figurado, fictício ou imaginário, negando a realidade da Carne e Sangue de Jesus Cristo contra a inteligência unânime da Igreja, que sendo coluna e apoio da Verdade, sempre detestou por serem diabólicas estas ficções expressas por homens ímpios e sempre conservou indelével a memória e gratidão deste tão sobressalente benefício que nos fez Jesus Cristo.” (Concílio Ecumênico de Trento; Decreto sobre o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, Cap. I)

“Mas pelo que disse Jesus Cristo nosso Redentor, que era verdadeiramente Seu Corpo que O oferecia sob a espécie do pão, a Igreja de Deus acreditou perpetuamente e o mesmo declara novamente o Santo Concílio que pela consagração do pão e do vinho, são convertidas: a substância total do pão no Corpo de nosso Senhor, e a substância total do vinho no Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e essa transformação é oportuna e propriamente chamada de Transubstanciação pela Igreja Católica.” (Concílio Ecumênico de Trento; Decreto sobre o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, Cap. IV)

Outrossim, contra os erros de Lutero – que ensinava que a substância do pão e do vinho permanecem conjuntamente com a presença real de Cristo, no que chamou “consubstanciação”, e isso só enquanto durasse a Missa; e que não era necessário confessar-se sacramentalmente antes de receber a Eucaristia na existência de pecados mortais, bastando a fé e a conversão; e, além disso, que o principal fruto da Missa era o perdão dos pecados, substituindo-a à Penitência – e de outros hereges – Calvino, por exemplo, pregava a presença espiritual, ou a mudança de significado do pão para Carne e do vinho para Sangue, negando a transubstanciação; Zwinglio cria numa presença meramente simbólica, num sinal da presença de Jesus –, formulou o Sacrossanto Concílio, alguns cânones a respeito da Eucaristia, que citamos a seguir, por considerar de extrema valia para o leitor:

“Cân. I - Se alguém negar que no santíssimo sacramento da Eucaristia está contido verdadeira, real e substancialmente o corpo e o sangue juntamente com a alma e divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e por conseqüência o Cristo inteiro; mas pelo contrário, disser que apenas existe na Eucaristia um sinal, ou figura virtual, seja excomungado.

Cân. II - Se alguém disser que no sacrossanto sacramento da Eucaristia permanece substância de pão e vinho juntamente com o Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, e negar aquela admirável e singular conversão de toda a substância do pão em Corpo e de toda substância do vinho em Sangue, permanecendo somente as espécies de pão e vinho, conversão que a Igreja Católica propiciamente chama de Transubsctanciação, seja excomungado.

Cân III - Se alguém negar que o venerável sacramento da Eucaristia contém o Cristo Total em cada uma das espécies, e em cada uma das partículas em que forem divididas as espécies, seja excomungado.

Cân. IV - Se alguém disser que, feita a consagração, não existe no admirável sacramento da eucaristia, nada além de mentiras, e que recebe, mas nem antes e nem depois permanece o verdadeiro Corpo do Senhor nas hóstias ou partículas consagradas, que se guardam depois das comunhões, seja excomungado.

Cân. V - Se alguém disser que o principal fruto da Sacrossanta Eucaristia, é o perdão dos pecados, ou que não provém dela outros efeitos, seja excomungado.

Cân. VI - Se alguém disser que no santo sacramento da eucaristia não se deve adorar a Cristo, Filho unigênito de Deus, com o culto de ‘latria’ nem também com o externo, e que portanto não se deve venerar com peculiar e festiva celebração, nem ser conduzido solenemente em procissões, segundo o louvável e universal rito e costume da Santa Igreja, ou que não se deve expor publicamente ao povo para que receba adoração, e que tal adoração constitui idolatria, seja excomungado.

Cân. VII - Se alguém disser que não é lícito reservar a Sagrada Eucaristia no sacrário, pois imediatamente depois da consagração é necessário que se faça a distribuição total das hóstias, ou disser que não é lícito levá-la piedosamente aos enfermos, seja excomungado.

Cân. VIII - Se alguém disser que Cristo, dado na eucaristia, somente é recebido espiritualmente e não também sacramental e realmente, seja excomungado.

Cân. IX - Se alguém negar que todos e cada um dos fiéis Cristãos de ambos os sexos, quando tenham chegado ao completo uso da razão, estão obrigados a comungar todos os anos ao menos na Páscoa da Ressurreição, segundo o preceito de nossa Santa Madre Igreja, seja excomungado.

Cân. X - Se alguém disser que não é lícito ao sacerdote que celebra a missa, comungar-se a si mesmo, seja excomungado.

Cân. XI - Se alguém disser que apenas a fé é preparação suficiente para receber o Sacramento da Santíssima Eucaristia, seja excomungado.” (Concílio Ecumênico de Trento; Cânones sobre o Santíssimo Sacramento da Eucaristia)

Jesus, pois, não está representando ou simbolizado na hóstia e no cálice consagrados. Sua presença é real, e há uma verdadeira mudança de substância, de modo que não mais estamos diante do pão e do vinho, senão que do Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor. Não é simples símbolo. A Eucaristia não simboliza Cristo. A Eucaristia é Cristo! Fiéis são essas palavras ao comentário de São Cirilo de Alexandria sobre o Evangelho de Mateus: “Ele declara taxativamente: ‘Este é o meu Corpo’ e ‘Este é o meu Sangue’; não diz que possam supor que as coisas que vêem são uma figura. Mas bem, por algum segredo de Deus Todo-Poderoso, as coisas que vêem são mudadas no Corpo e no Sangue de Cristo, verdadeiramente oferecidos em sacrifício no qual nós, como participantes, recebemos o poder doador de vida e santificação de Cristo.” (Comentário sobre Mateus, 26, 27)

Entendemos que um grande meio para ajudar a difundir a fé na real presença de Jesus na Santa Eucaristia é, justamente, a reflexão no significado de uma de seus maiores louvores, a Santa Missa de Corpus Christi, composta pelo Aquinate. Toda as Missas, é verdade, com seus ofícios, orações próprias e comuns, prefácios, salmos, hinos, antífonas, nos recordam os dois particulares e essenciais aspectos da teologia eucarística. Ao mesmo tempo em que ressaltam que estamos diante de um verdadeiro sacrifício, o mesmo, único e suficiente, oferecido de uma vez por todas no Calvário, tornado novamente presente sobre o altar da igreja onde é celebrada; tais preces reafirmam outra realidade crucial da Fé Católica, qual que as espécies eucarísticas, dons que se apresentam no rito do ofertório, se mudam, substancialmente – daí o termo “transubstanciação” – no próprio Jesus Cristo, Deus encarnado, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, mais do que um profeta ou um milagreiro, o próprio Senhor e Criador de tudo.

Entretanto, os textos próprios da Missa desta solenidade em honra do Corpo de Deus, por mais que todas as celebrações o façam, apontam de uma maneira mais excelente para o que estamos tentando resgatar e defender. Senão, vejamos: já no intróito da Missa de Corpus Christi, fala a liturgia – Missal de 1970, Novus Ordo – em Deus nos alimentando, que é o papel primordial da Comunhão Eucarística, que se dá a nós para que, comungando, participemos de Cristo e formemos o Seu Corpo que ora comemos – inevitável lembrar que a Igreja Católica, da qual fazemos parte pelo Batismo, é o Corpo Místico do Senhor Jesus, e que assumimos, portanto, a plenitude dessa pertença, quando comungamos da Eucaristia; ela nos faz Igreja, no sentido mais profundo e místico da palavra. “O Senhor alimentou seu povo com a flor do trigo e com o mel do rochedo o saciou.” (Missal Romano; Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; Antífona de Entrada)

Assim, continua a liturgia da Missa de hoje, com o conhecido hino Lauda Sion – de cuja tradução oficial para o português, a Comissão de Liturgia da CNBB verteu “Sião”, sinônimo de Israel, para “Terra” (o motivo pelo qual São Tomás compôs “Sião” foi associar os louvores ao Santíssimo à Igreja Católica, Novo Israel, da qual Cristo é o dux et pastor, o chefe e pastor; o “Terra” da versão portuguesa parece identificar o rebanho de Jesus a todo o universo, independente de estarem ou não na Igreja, o que carrega o cheiro de modernismo!) “Lauda Sion salvatorem, lauda ducem et pastorem, in hymnis et canticis. Quantum potes, tantum aude: quia maior omni laude, nec laudare sufficis.” (Missale Romanum; Solemnitas Sanctissimi Corporis et Sangunis Iesu Christi Dominum Nostrum; Sequentia)

Fazemos questão de transcrever todo o hino, que serve de Seqüência para esta Missa, na tradução da CNBB, para que sirva de meditação auxiliar ao leitor, refletindo na riqueza das palavras do antiqüíssimo canto. Cada linha esboça a profunda piedade com que o povo tem ornado Nosso Senhor, e revela uma catequese simples sobre toda a teologia da Eucaristia e o ato de comungar. Leiamos, calmamente:

“Terra, exulta de alegria, louva teu pastor e guia com teus hinos, tua voz! Tanto possas, tanto ouses, em louvá-lo não repouses: sempre excede do teu louvor! Hoje a Igreja te convida: ao pão vivo que dá vida vem com ela celebrar! Este pão, que o mundo o creia!, por Jesus, na santa ceia, foi entregue aos que escolheu. Nosso júbilo cantemos, nosso amor manifestemos, pois transborda o coração! Quão solene a festa, o dia, que da Santa Eucaristia nos recorda a instituição! Novo Rei e nova mesa, nova Páscoa e realeza, foi-se a Páscoa dos judeus. Era sombra o antigo povo, o que é velho cede ao novo; foge a noite, chega a luz. O que o Cristo fez na ceia, manda à Igreja que o rodeia, repeti-lo até voltar. Seu preceito conhecemos: pão e vinho consagremos para nossa salvação. Faz-se carne o pão de trigo, faz-se sangue o vinho amigo: deve-o crer todo cristão. Se não vês nem compreendes, gosto e vista tu transcendes, elevado pela fé. Pão e vinho, eis o que vemos; mas ao Cristo é que nós temos em tão ínfimos sinais... Alimento verdadeiro, permanece o Cristo inteiro que no vinho, quer no pão. É por todos recebido, não em parte ou dividido, pois inteiro é que se dá! Um ou mil comungam dele, tanto este quanto aquele: multiplica-se o Senhor. Dá-se ao bom como ao perverso, mas o efeito é bem diverso: vida e morte traz em si... Pensa bem: igual comida, se ao que é bom enche de vida, traz a morte para o mau. Eis a hóstia dividida... Quem hesita, quem duvida? Como é toda o autor da vida, a partícula também. Jesus não é atingido: o sinal é que é partido, mas não é diminuído, nem se muda o que contém. Eis o pão que os anjos comem transformado em pão do homem; só os filhos o consomem: não será lançado aos cães! Em sinais prefigurado, por Abraão foi imolado, no cordeiro aos pais foi dado, no deserto foi maná... Bom pastor, pão de verdade, piedade, ó Jesus, piedade, conservai-nos na unidade, extingui nossa orfandade, transportai-nos para o Pai! Aos mortais dando comida, dais também o pão da vida; que a família assim nutrida seja um dia reunida aos convivas lá no céu!” (Missal Romano; Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; Seqüência)

Quantas verdades contidas nessas palavras! Devemos exultar de alegria e louvar a Cristo Jesus, que é Nosso Senhor, nosso pastor, nosso guia, nosso chefe. Não podemos nos cansar de assim fazê-lo, pois é a Ele, por excelência, que adoramos, quando nos prostramos diante da Eucaristia, eis que ela é o próprio Corpo e o próprio Sangue do Salvador. Esse pão não é mais pão, é Carne! O vinho não é mais vinho, é Sangue! E mais do que carne e sangue, Carne e Sangue de um Deus, do único Deus, sob a aparência tão frágil de um pequeno pedaço de pão e um singelo cálice de vinho. Nós, novo Povo de Deus, Novo Israel, devemos celebrar a presença de Jesus que afugenta as trevas e inaugura a luz, a Igreja. É preciso que adoremos o Cristo presente na Eucaristia, como nos atestam as palavras de São Francisco de Assis: “Porque neste mundo não vejo corporalmente o altíssimo Filho de Deus, senão em Seu Santíssimo Corpo e Seu Santíssimo Sangue, que eles recebem e só eles administram aos demais. E quero que estes santíssimos mistérios sejam honrados e venerados acima de todo e colocados em lugares preciosos.” (Testamento, 11-11) Basta fazer o que Ele nos mandou: consagrar o pão e o vinho, transubstanciando-os, pela palavra do sacerdote, em Seu Corpo e Sangue, mesmo que não compreendamos pela razão, nem vejamos com os olhos. Transcendamos o sabor e a visão, e nos concentremos naquilo que a fé nos diz, completando o que os sentidos não captam. “Praestet fides supplementum sensuum defectui.” – “Vem a fé por suplemento os sentidos completar.” (Missal Romano; Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; Procissão com o Santíssimo Sacramento; Hino Canta ó Língua – Quinta-feira Santa; Missa Vespertina da Ceia do Senhor; Transladação do Santíssimo Sacramento; Hino Canta ó Língua – Ritual Romano; Solene Bênção do Santíssimo Sacramento; Hino Tão Sublime Sacramento) Jesus, na Eucaristia, é o verdadeiro alimento para a alma – também para o corpo, como se verificou na vida de alguns santos que sobreviveram, sobrenatural e milagrosamente, alimentando-se só da Comunhão.


Jesus não é dividido. Está presente em cada hóstia consagrada, e ao mesmo não são vários “Cristos”, mas um só! Quem comunga d’Ele em estado de graça, recebe a salvação, o perdão dos pecados veniais e o aumento da caridade para com Deus, elevando-se ainda mais na vida da virtude. Ao infiel, todavia, a Eucaristia, se comungada, manifesta o desprezo do pecador para com o Corpo do Senhor. “Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente”, diz São Paulo, “será culpável do corpo e do sangue do Senhor. Que cada um examine a si mesmo, e assim coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação.” (1 Co 11,27-29)

O pão dos anjos é nosso alimento, e nos conserva na unidade com a Igreja, depositária da Revelação divina e ponte de salvação, uma vez que é a Esposa de Cristo e o Seu próprio Corpo Místico, “coluna e sustentáculo da verdade” (1 Tm 3,15) Assim o pede a secreta de hoje, também escrita por São Tomás de Aquino: “Concedei, ó Deus, à vossa Igreja os dons da unidade e da paz, simbolizados pelo pão e o vinho que oferecemos na sagrada Eucaristia. Por Cristo, nosso Senhor.” (Missal Romano; Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; Sobre as Oferendas) Alimentando-nos da Eucaristia, podemos receber forças para nos afastarmos do pecado. Se comungando pecamos inúmeras vezes, imaginemos se não o fizéssemos! Sem a Eucaristia, somos fracos, e as criaturas mais dignas de pena da face da terra! Pelo pecado somos escravos das trevas, mas pela graça, que é dada também na Eucaristia, nos transformamos de órfãos em filhos de Deus, e somos transportados para o Pai. Chegando ao céu, nos reuniremos, militantes, com toda a Una e Santa Igreja Católica e Apostólica, Triunfante, à espera da Padecente que espera no Purgatório! O céu é o supremo banquete, e a Eucaristia é já a comida com a qual nos iremos saciar. Sendo o próprio Deus, o próprio Cristo, comendo da Eucaristia nada mais precisamos em nossas almas, pois é o alimento genuíno!

Comparemos, nesse sentido, o que dizem os prefácios que podem ser utilizados na Missa de hoje, sobre a Eucaristia enquanto alimento dos fiéis. Tais prefácios foram inseridos no Missal Romano na reforma litúrgica de Paulo VI. Atentemos, outrossim, para as claríssimas referências ao caráter sacrificial da Santa Missa que neles se encontram.

“Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso, por Cristo, Senhor nosso. Ele, verdadeiro e eterno sacerdote, oferecendo-se a vós pela nossa salvação, instituiu o Sacrifício da nova Aliança e mandou que o celebrássemos em sua memória. Sua carne, imolada por nós, é o alimento que nos fortalece. Seu sangue, por nós derramado, é a bebida que nos purifica.” (Missal Romano; Prefácio da Santíssima Eucaristia, I)


“Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso, por Cristo, Senhor nosso. Reunido com os Apóstolos na última ceia, para que a memória da Cruz salvadora permanecesse para sempre, ele se ofereceu a vós como cordeiro sem mancha e foi aceito como sacrifício de perfeito louvor. Pela comunhão neste sublime sacramento, a todos nutris e santificais. Fazei de todos um só coração, iluminais os povos com a luz da mesma fé e congregais os cristãos na mesma caridade. Aproximamo-nos da mesa de tão grande mistério, para encontrar por vossa graça a garantia da vida eterna.” (Missal Romano; Prefácio da Santíssima Eucaristia, II)

“Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-vos graças e bendizer-vos, Senhor, Pai santo, Deus eterno, cheio de misericórdia e de paz. Vosso Filho, obediente até à morte na Cruz, nos precedeu no caminho de volta para vós, que sois o fim último de toda a esperança humana. Na Eucaristia, testamento de seu amor, ele se fez comida e bebida espirituais, que nos sustentam na caminhada para a Páscoa eterna. Com esta garantia de ressurreição final, esperamos participar do banquete de vosso Reino.” (Missal Romano; Prefácio da Santíssima Eucaristia, III)

Tomemos, então, a partir desta meditação, atitudes práticas, para reavivar nossa fé na Eucaristia.

Em primeiro lugar, peçamos a Deus a graça de mais amar esse mistério, de melhor adorar a Cristo Jesus na santíssima hóstia consagrada: “Senhor Jesus Cristo, neste admirável sacramento nos deixastes o memorial da vossa paixão. Dai-nos venerar com tão grande amor o mistério do vosso Corpo e do vosso Sangue, que possamos colher continuamente os frutos da vossa redenção. Vós, que sois Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo.” (Missal Romano; Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; Coleta)

Concomitante a isso, procuremos comungar melhor. Façamos um bom exame de consciência, dirijamo-nos a um sacerdote se o Espírito Santo nos acusar de uma falta grave, e comunguemos com fé e devoção, demonstrando amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. Rezemos, depois de nossa comunhão, agradecendo a Deus por todos os frutos recebidos por esse sacramento. “Dai-nos, Senhor Jesus, possuir o gozo eterno da vossa divindade, que já começamos a saborear na terra, pela comunhão do vosso Corpo e do vosso Sangue. Vós, que viveis e reinais para sempre.”(Missal Romano; Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; Oração depois da Comunhão) Como exemplo e convite, passamos a seguinte prece:

“Eu vos dou graças, ó Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso, porque, sem mérito algum de minha parte, mas somente pela condescendência de vossa misericórdia, vos dignastes saciar-me, a mim pecador, vosso indigno servo, com o sagrado Corpo e o precioso Sangue do vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.

E peço que esta santa comunhão não me seja motivo de castigo, mas salutar garantia de perdão. Seja para mim armadura de fé, escuda de boa vontade e libertação dos meus vícios. Extinga em mim a concupiscência e os maus desejos, aumente a caridade e a paciência, a humildade e a obediência, e todas as virtudes. Defendei-me eficazmente contra as ciladas dos inimigos, tanto visíveis como invisíveis. Pacificai inteiramente todas as minhas paixões, unindo-me firmemente a vós, Deus uno e verdadeiro, feliz consumação de meu destino.

E peço que vos digneis conduzir-me, a mim pecador, àquele inefável convívio em que vós, com vosso Filho e o Espírito Santo, sois para os vossos santos a luz verdadeira, a plena saciedade e a eterna alegria, a ventura completa e a felicidade perfeita. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.” (Liturgia das Horas; Anexo – Orações para depois da Comunhão; Oração ao Pai, atribuída a São Tomás de Aquino)

Finalmente, procuremos nos achegar a Cristo presente no sacrário, para, em adoração, contarmos a Ele nossos problemas, louvá-Lo, reconhecer n’Ele nosso refúgio, sabê-Lo nosso Deus, e manifestar nosso amor. Quanto mais passamos em oração diante do Santíssimo Sacramento, mais podemos abrir em nossas almas a chave que nos leva a amar a Deus de maneira perfeita.

Eis o exemplo das Irmãs Missionárias da Caridade, congregação religiosa fundada por Madre Teresa de Calcutá, e que tem um apostolado social universalmente aplaudido. Nem por isso, deixam de se recolher e de buscar forças diante do sacrário.

“No Capítulo Geral que tivemos em 1973, as irmãs pediram que a adoração ao Santíssimo, que tínhamos uma vez por semana, passasse a ser todos os dias, apesar do enorme trabalho que pesava sobre elas. Essa intensidade de oração diante do Santíssimo Sacramento tem feito uma grande mudança em nossa congregação. Temos experimentado que nosso amor por Jesus é maior, nosso amor de umas para com as outras é mais compreensivo, nosso amor pelos pobres é mais compassivo, e nós temos o dobro de vocações que tínhamos.” (Madre Teresa de Calcutá; Reino de Cristo, I, 1987)

Exercitemos essa adoração visitando Jesus Cristo no sacrário de alguma igreja, e passando algum tempo com ele.

Por ora, convidamos a todos que cantem o hino Verbum Supernum, igualmente composto por São Tomás para a festa do Corpo de Cristo, desta vez não para a Missa, mas para a hora canônica de Laudes, da Liturgia das Horas. Suas duas últimas estrofes formam o conhecido canto de adoração eucarística, O Salutaris Hostia.

“Verbum supernum prodiens, nec Patris linquens dexteram, ad opus suum exiens, venit ad vitae vesperam. In mortem a discipulo suis tradendus aemulis, prius in vitae ferculo se tradidit discipulis. Quibus sub bina specie carnem dedit et sanguinem; ut duplicis substantiae totum cibaret hominem. Se nascens dedit socium, convescens in edulium, se moriens in pretium, se regnans dat in praemium. O salutaris hostia, quae caeli pandis ostium, bella premunt hostilia; da robur, fer auxilium. Uni trinoque Domino sit sempiterna gloria: qui vitam sine termino nobis donet in patria. Amen.” (Liturgia Horarum iuxta rito romanum; Lauds; Solemnitas Sanctissimi Corporis et Sangunis Iesu Christi Dominum Nostrum; Hymnus Verbum Supernum)



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