segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A dimensão oculta da Santa Missa

 

A celebração da Santa Missa tem seus primórdios na antiga comemoração solene da Pesah judaica: era a celebração mais esperada e preparada do ano judaico, onde se imolava o cordeiro puro, primogênito e persignava-se as portas com o sangue imaculado, livrando-se assim do terrível assassínio do primogênito da família, executado pelo Anjo Exterminador.
Em tal evento, da Páscoa, todas as famílias reuniam-se em torno da mesa da partilha, donde se servia a carne do cordeiro imolado, ervas amargas, pães ázimos, bebidas nobres. Eis assim a origem da comemoração do cordeiro, cujo sacrifício marcava o centro do ano de labuta, colheita, sacrifício e dava deste modo, esperança na salvação prometida.
A celebração da Páscoa judaica, muito bem descrita em especial no livro do Êxodo, completa-se em uma dimensão sensível, imaterial, oculta, misteriosa: a dimensão da comemoração que se traziam gravadas em sua história, é a celebração que marca a vitória do povo de Deus sob os egípcios, onde sob a guia de Moisés, o povo liberta-se da condição de escravo. É assim, momento de celebrar paz, tranquilidade, e esperança para as futuras gerações. Não são apenas os símbolos e características materiais que marcam o memorial da salvação judaica, mas tem seu sentido completo no significado de fé que tal festa traz consigo.
Ao decorrer a história do povo de Deus, em tal momento destinado por Deus, Nosso Senhor, Deus Emanuel, faz-se carne humana, toma para si nossa condição e vem morar conosco, para nunca mais nos deixar. Como perfeito religioso que era nunca deixava de participar de suas funções no templo, e com seus pais, subia todos os anos à Jerusalém para a Festa pascal.
Cumprindo a prescrição da Lei, Jesus já imaginava seu caminho, traçado por se Eterno Pai, para a renovação radical desta Lei, desta Festa e da Aliança. Tal dimensão visível e sensível da Páscoa judaica já tocava a materialidade e a sensibilidade da Nova Páscoa, posteriormente inaugurada por Cristo e oferecida até hoje em todos os altares do mundo. As ervas amargas davam lugar ao sofrimento de Cristo, desde sua agonia no Getsêmani até o último suspiro no alto da cruz. Os pães Ázimos e o vinho melhor já sedia seu posto ao próprio corpo entregue à cruz e ao sangue derramado em sacrifício. Assim, o cordeiro primogênito se fazia gente, carne, homem, Deus, e se dava em sacrifício para salvar do extermínio não mais os que marcavam suas portas com sangue, mas sim, agora, os que marcavam seu espírito com o selo da graça, o batismo na aspersão do sangue salvador do Senhor na cruz.
Assim, do mesmo modo ás dimensões visíveis (do pão sem fermento e vinho) e sensíveis (da salvação ou extermínio dos primogênitos e esperança da salvação) da Ceia judaica, se faz presente na Nova Ceia, a Ceia do Senhor, as mesmas dimensões: visível, a partir da hóstia e do vinho canônico, e sensível, com a beleza, simplicidade e salvação que deva ser disposta na Santa Missa.
Sim, a Santa Missa é muito mais que uma ceia de alimento e bebida, é muito mais que uma reunião fraterna de pessoas que se querem bem, é a ceia de dons, oblações e graças. Devemos hoje, mais do que nunca, despertar ao verdadeiro sentido e espírito da Liturgia da Santa Missa. Não é mais o memorial da libertação da escravidão do povo do Egito, mas sim, ato solene de entrega do próprio Cristo para os homens e mulheres que de coração sinceros o servem com alegria e disponibilidade, e entrega nossa nos braços do Pai, oferecendo no sacrifício de Cristo os nossos sacrifícios diários.
“Se com Cristo morremos, com Ele também ressuscitaremos”. É esta certeza que movimenta nossa fé e participação ativa na Santa Missa: a certeza de que, oferecendo com Cristo nossos sacrifícios ao Pai, e morrendo com Ele, ressurgiremos vitoriosos, resplandecentes e iluminados, como também o próprio Senhor ressuscitou. Esta certeza move nossa alma em direção ao sentido sensível da Liturgia, muito mais que ao visível. É da nossa participação consciente na Liturgia e do cumprimento da nossa parte visível que depende nossa salvação eterna e os frutos e bons propósitos dispensados da parte sensível da Liturgia divina. Mas para tanto, como já dito, depende nosso esforço de tentar nos lançar para dentro do grande mistério de Cristo, manifestado na Sagrada Liturgia. Para isso requer-se zelo e estima pela Sagrada Liturgia. Não se pode manipular o ritual solene em nome da criatividade e melhor participação dos fieis. A Liturgia é uma, assim como Deus Trindade é uma, como a Igreja é uma e como devemos nos fazer um com Cristo. Sendo a Liturgia, a Eucaristia, centro da vida cristã, corrompida e manipulada com risco de perder a mística, corre-se, ao mesmo passo, o risco de corromper-se e perder toda espiritualidade verdadeira da vida eclesial. Daí, ainda, provém tamanha preocupação de Bento XVI: “hoje Jesus Cristo continua vivo e realmente presente na hóstia e no cálice consagrados. Uma menor atenção que por vezes é prestada ao culto do Santíssimo Sacramento é indício e causa de escurecimento do sentido cristão do mistério, como sucede quando na Santa Missa já não aparece como proeminente e operante Jesus, mas uma comunidade atarefada com muitas coisas em vez de estar recolhida e deixar-se atrair para o Único necessário: o seu Senhor”.
A graça está oculta. O mistério se desvela á nossa frente nos ritos e na forma de celebrar. Com os olhos de nossa fé sempre atentos e alertas ás bênçãos celestes, nosso espirito poderá ser arrebatado com Cristo até o altar da Cruz, e assim, participaremos do sacrifício unidos á Ele. Eis o grande espírito da Liturgia: fazer-nos coparticipantes da oblação ao Eterno Pai. Para isso, repito, é necessária nossa atenção, prontidão e participação ativa na vida eucarística, bem como na vida eclesial. “Sem Eucaristia, o mundo iria de mal a pior, pois a Eucaristia é Jesus. E Jesus é o único que pode salvar o mundo”. “Salvemos a Liturgia, e seremos salvos por ela”.
Santa Maria, Esperança nossa, Sede da Sabedoria. Rogai por nós.

Sem. João Eduardo Lamim

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