sexta-feira, 14 de novembro de 2014

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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Arqueologia - As Catacumbas Cristãs de Roma

PAPA SÃO SISTO - SÉCULO I

Duas cidades têm o privilégio de exercer, sobretudo sobre um coração católico, um atrativo incomparável e de dar ao espírito grandes esclarecimentos quando suas investigações o levam rumo à teologia e à história: eu quero dizer Jerusalém e Roma. Elas são como os dois olhos brilhantes do mundo nos quais se reflete o céu; elas são dois santuários particularmente escolhidos sobre nossa terra e como os dois pólos do mundo histórico; elas são os pontos de apoio misteriosos onde a misericórdia divina depositou a alavanca que suspende o mundo e o fez sair da velha órbita da servidão para conduzi-lo em uma via nova, a via do céu. São as duas cidades da aliança, os dois palcos das maravilhas de Deus. Uma proclama a história da Redenção; a outra resume a história da Igreja. Elas são como a mãe e a filha, intimamente e inseparavelmente ligadas uma à outra. Sua fisionomia e sua história levam o selo indelével deste parentesco. A colina eternamente memorável de Jerusalém foi testemunha do sacrifício três vezes santo do Homem-Deus; consagrada pelo sangue divino, ela tornou-se o altar da salvação. As colinas de Roma viram o martírio de um milhão de membros ilustres do Cristo, e, pelas torrentes de sangue que as inundaram e consagraram, elas se tornaram como o altar-mor da Igreja universal. O corpo de Jesus Cristo foi, após o sacrifício supremo, sepultado em uma escavação rochosa no pé do Gólgota. Os corpos daqueles que deram a Deus o testemunho de seu sangue foram sepultados sob o solo da cidade das sete colinas, nas rochas cavernosas das Catacumbas. O corpo do Senhor repousou três dias na gruta silenciosa e ressuscitou após este período. A Igreja romana, corpo místico do Cristo, se confiou durante três séculos à discrição da necrópole subterrânea e se levantou em seguida para fazer ondular sobre o universo o estandarte triunfal da cruz. Enfim, após a ressurreição, cada uma dessas duas sepulturas permaneceu gloriosa e abençoada. Os selos miraculosamente quebrados do Santo Sepulcro, em Jerusalém, a caverna privada de seu tesouro e só contendendo o sudário dobrado, tornou-se o testamento eterno e o testemunho sempre invencível do grande mistério da Redenção. As Catacumbas reabertas de Roma, com seus tesouros de despojos santos e de relíquias preciosas, monumentos de todo tipo, são um testemunho irrefutável em favor da Igreja primitiva, um legado precioso para as gerações mais distantes. Elas são de algum modo os arquivos do cristianismo, o berço da história eclesiástica. Nas galerias e nos arcosolia, nas paredes e nas abóbadas, se desenrolam em cores vivas e frescas os símbolos da fé e do amor  tais como os representavam na Igreja apostólica. Após vários anos de estudos especiais, e encorajados pelo concurso benevolente do cavalheiro de Rossi, tão profundamente versado na arqueologia das Catacumbas, tentaremos introduzir e guiar o leitor na Roma subterrânea. Veremos que, se a Igreja tira desta mina tão fecunda o ouro das relíquias preciosas do qual ela decora os altares do mundo inteiro, a erudição católica não é menos exitosa ao extrair dai, felizmente, os diamantes dos quais ela aperfeiçoa e enriquece a ciência da fé.

           As Catacumbas em geral – Sua importância histórica

 batismo Infantil

Consideraremos, em uma primeira parte, certos dogmas cristãos que tem mais especialmente relação com a finalidade das Catacumbas, e, em uma segunda parte, outros pontos particulares da doutrina, que tiram desses monumentos uma confirmação radiante.  O que são as Catacumbas? Qual foi sua finalidade? Essas questões preliminares necessitam de uma resposta curta.  Transportai-vos, pelo pensamento, na cidade eterna, em Roma, nos dias de seu antigo esplendor, no segundo ou no terceiro século da era cristã. Ela é a dominadora orgulhosa do mundo, com seus duzentos milhões de cidadãos, quase todos pagãos. Do meio de seu céu azul, o sol atira sobre ela seus raios flamejantes e parece querer alourar esta multidão de templos, de pórticos, de colunatas, de palácios, de basílicas, de mausoléus, de termas, de teatros e jardins magníficos. Todos os tesouros da terra, todas as maravilhas da arte parecem se encontrarem nessa bacia gigantesca aonde vieram se derramar todos os despojos do mundo.  Contudo, esta superabundância de ouro e de mármore, esse luxo grandioso e arrebatador são apenas um verniz brilhante sobre uma imensa tumba. Ainda que mestra do mundo, a cidade é a escrava decaída, vergonhosa e desonrada da superstição e do vício. O inimigo do gênero humano se encarnou de algum modo nela e aí reina, como em uma cidadela inexpugnável, cercado tanto de vassalos quanto de estátuas dos deuses sobre os templos e os terraços dos palácios. Roma, centro do poder político que governa o universo, tornou-se o centro da depravação moral e de todos os vícios. Ela atraía para si as forças vitais de todos os territórios, os transformava em venenos e os reenviava assim transformados até as extremidades da terra. Se a humanidade tivesse sido condenada a perecer, o príncipe do mundo não poderia ter escolhido um quartel general mais favorável para sua obra de destruição. Se, ao contrário, ela tivesse de ser salva, seria aí também que a divina misericórdia deveria engajar a luta contra o mal. Ora, é precisamente aí que ela se abre. No território de Roma, sob as verdes pradarias do campo silencioso, trabalhavam misteriosamente, no fundo das alamedas subterrâneas, algumas centenas de braços cheios de atividade e de energia, cujo alvião formava, em um solo avermelhado, um imenso e inextricável labirinto de galerias. Eram os soldados do Cristo que, empreendendo o cerco da metrópole do paganismo, lhe faziam um cinto de catacumbas, como para apertá-la por um vasto sistema de fortalezas. É nesses campos trinchados que eles se exercitavam e se preparavam ao combate; é daí que eles partiam, animados por um santo entusiasmo, para as lutas do martírio. Uma vez a vitória obtida e a palma colhida, eles reconduziam como troféus, às Catacumbas, os corpos dos heróis cristãos. Depositavam com eles, na mesma sepultura, as insignes e os instrumentos do martírio, como eles tinham sepultado outrora os guerreiros com suas armas. Contudo, cada gota de seu sangue era a semente de um novo exército de soldados cristãos, até no dia em que o estandarte da cruz, plantado pelo imperador Constantino, ondulou sobre o Capitólio e que Roma tornou-se o centro vivo de um mundo renovado, o coração que derramou torrentes da fé e do amor de Deus em todas as veias da humanidade.
Plano das Catacumbas

Eucaristia - SÉCULO I

Oferecemos uma idéia da importância histórica das Catacumbas; tentamos descrevê-las. Os cemitérios subterrâneos de Roma, que receberam o nome de Catacumbas apenas a partir do século dezesseis, são exclusivamente de origem cristã. Sua extensão compreende uma zona de duas milhas em torno da cidade, e forma assim uma imensa, silenciosa e santa necrópole. Cavadas nas propriedades de algumas famílias patrícias que tinham abraçado a fé, elas gozavam, sobretudo durante os dois primeiros séculos, da proteção da lei romana, que declarava invioláveis os lugares religiosos. Para melhor designá-las, lhes davam os nomes de seus proprietários cristãos ou dos mártires ilustres que aí eram enterrados.

Loculus, Catacumba de São Calixto

Elas são no total de vinte e seis (26), correspondendo aos vinte e seis títulos ou paróquias de Roma; e, se acrescentarmos aí algumas catacumbas pequenas, posteriores a Constantino, chegaremos a um total de quarenta, que formam uma rede subterrânea de ruas sepulcrais. Constituídas regularmente e perpendicularmente em um terreno de formação plutônica, resistente, (…), essas ruas se cruzam infinitamente e formam, geralmente, séries de andares sobrepostos, que chegam algumas vezes até cinco. Nessas alamedas, conhecidas ordinariamente sob o nome de galerias, aplicaram, ao longo das paredes, desde o chão até o alto, cortes horizontais. São os nichos sepulcrais, os loculi, nos quais, semelhantes aos passageiros que se entregam ao sono embalados por balanços do navio, repousam os mortos cristãos, frequentemente até quatorze colocados uns sobre os outros, sem distinção de posição, idade nem de sexo. Cada polegar do nicho, cada metro quadrado da parede é usado com economia; mas cada um, criança ou adulto, tem sua tumba cavada na rocha, e onde ninguém tinha sido enterrado. As galerias, entre uma altura de sete a quinze pés, são tão estreitas, que freqüentemente uma pessoa basta para ocupar a largura. Mas seu comprimento é tamanho que, se pudéssemos reuni-las todas juntas, extremo a extremo, teríamos perto de trezentas léguas de caminho a percorrer, e passaríamos ao lado de quatro a seis milhões tumbas.

Esse trabalho de escavação e de corte das galerias sepulcrais e das loculi, assim como dos cortes mais espaçosos das capelas, era confiado à uma corporação ou confraria de verdadeiros imitadores de Tobias, aos fossores, coveiros, que eram preparados para sua vocação por um tipo de ordenação ou de bênção eclesiástica.

As Catacumbas de Roma – Destinação e finalidade das Catacumbas

Cinco Santos - Igreja Primitiva
Esforcemo-nos, depois desta curta descrição, em descobrir para qual fim estas Catacumbas foram cavadas. Sua destinação original e primeira sai claramente do nome que elas levavam na antiguidade cristã. Elas eram chamadas cemitérios, coemeterium, ou seja, lugar de descanso, dormitório. Elas tinham então servido primitivamente de lugar de sepultura aos cristãos de Roma. Tão logo eles consideraram seus corpos como os membros do Cristo, como os templos do Espírito Santo e vasos de eleição, eles não quiseram nem queimá-los sobre uma fogueira, segundo o costume pagão então em vigor, nem expô-los para serem desonrados pelos infiéis. Ademais, como eles estavam destinados para resplandecer um dia cheios de magnificência e de luz na glória divina, eles os deitavam como uma semente no campo abençoado; ou ainda, segundo a palavra mais expressiva dos primeiros cristãos, eles os depositavam aí, como se deposita, para conservá-lo, um tesouro em lugar seguro. Estes não eram mortos, eram homens adormecidos: ademais, o lugar de sua sepultura se chamava um dormitório, onde eles descansam dos trabalhos da jornada, até que venha a aurora e que o som do trompete os desperte.



Maria e o Menino Jesus no Colo

Transportemo-nos um instante em um destes subterrâneos. Uma carroça atrelada a dois cavalos acaba de entrar sob a abóbada escura de uma pedreira de areia, de uma arenária abandonada. É a carroça dos mortos, auxiliar indispensável durante os dias tão difíceis da perseguição. Os fossores, revestidos com os hábitos de sua ordem, esperam o recém chegado com impaciência, e com uma mão trémula, descarregam o corpo. Este corpo não foi mergulhado no cal, para escondê-lo dos pagãos, como acontecia algumas vezes. Os fiéis, vigias dos mortos, o pegaram, completamente sangrento, no próprio lugar da execução, e se apressaram em levar seu espólio precioso ao tesouro da Igreja. Um coveiro, já branqueado pela idade, precede e ilumina os carregadores. Ele os conduz em um canto da arenária onde uma escada secreta abre-lhes o caminho da necrópole cristã. Aí, o bispo e os fiéis saúdam, por cantos solenes, o despojo do herói, e o cortejo fúnebre se coloca em marcha. Nestes corredores silenciosos, ressoa, suave como o canto dos bem-aventurados, a salmodia divina, e seus sons misteriosos repercutem através das galerias. As chamas carregadas pelos acólitos, se refletindo sobre estas muralhas avermelhadas pelo tufo litoide, formam milhares de estrelas que cintilam subitamente e se apagam imediatamente, enquanto que os sepulcros, cujas filas se prolongam indefinidamente de cada lado, formam com seus habitantes pacíficos uma cerca de honra para o novo concidadão que faz aí sua entrada. Os tijolos amarelados e as placas de mármore branco que fecham a entrada das tumbas, brilham sob os reflexos móveis da luz, como distintivos de ouro e de prata que seriam incrustados ou encaixados na púrpura. Eles parecem se movimentar! A luz os torna expressivos; ela  faz deles como emblemas transparentes, e mais de uma inscrição comovente, mais de um símbolo cheio de frescor e de delicadeza, executado sem arte pela mão inábil do coveiro, anuncia a paz do céu, a esperança inabalável, a confiança jovial, e parece ser, por assim dizer, uma resposta aos versículos salmodiados pelo coro que passa. Tudo, em torno destas placas de mármore, parece selar no morteiro, como guirlandas de honra, sinais expressivos da memória e da afeição imortais. Aqui, há uma moeda, ou uma concha, ou um camafeu que atinge o olhar; ali, é uma pedra cintilante ou um fragmento de cristal encaixado no ouro. Mais adiante, marcas de cera, representando a forma da planta do pé e cobertas de divisas cristãs, emolduram a fina tabuleta que cobre a tumba. Quando é um mártir que mora no loculus silencioso, a mais invejável das joias assinala aí sua presença: um frasco de vidro, de argila ou de ónix, contendo o sangue precioso do mártir, e na frente uma lâmpada acesa. O cortejo fúnebre já percorreu várias galerias. Assim que ele penetra em uma nova alameda, uma lâmpada, sentinela discreta que vigia sem ruído no fundo de seu nicho, parece saudá-lo. Logo esta lâmpada é decorada com um ornamento emblemático; logo ela toma a forma de uma pomba, de um peixe ou de um barco. Ela une alegremente sua luz fraca com o brilho das velas.

Nesse meio tempo chegamos ao espaço reservado ao defunto. Desta vez, não é uma simples abertura em uma destas longas ruas sepulcrais. Para honrar o mártir, os fossores lhe prepararam uma grande escavação, um arcosolium. Isso é um tipo de sarcófago esculpido no tufo e coroado por um nicho em abóbada rebaixada.


Eucaristia - Ultima Ceia

Os necróforos ou carregadores se detém e depositam no solo seu precioso fardo. Como aquele de Jesus, este corpo está embalsamado com aromas preciosos e envolvido em uma mortalha.

O serviço deposita em sua fronte vitoriosa uma coroa de louros, e o pontífice conclui a bênção. Piedosos lábios ainda cobrem de beijos o santo despojo; depois o introduzem na abertura preparada. Ao lado, colocam um pequeno vaso cheio do sangue que foi derramado em testemunho de Jesus Cristo, e uma urna de aromas, cujo odor suave, imagem do perfume da santidade, perfuma a tumba e a cripta. Mas logo a tumba torna-se a mesa eucarística; a pedra que fecha sua abertura serve de pedra de altar; sobre ela o bispo celebra o sacrifício da nova aliança, sacrifício ofertado à glória do Altíssimo, em honra do bem-aventurado que acaba de receber a coroa celeste.

Consagradas, sobretudo, para a sepultura dos cristãos, que são irmãos e irmãs em Jesus Cristo, as Catacumbas receberam ademais, pela força das coisas, outra destinação. Nos dias da perseguição, elas tornaram-se a morada temporária do Papa, do clero e de alguns leigos de distinção, particularmente designados pelo ódio dos tiranos. Elas foram também o lugar de reunião dos fiéis para a celebração do culto.

Esta última destinação tornou insuficientes as câmaras sepulcrais de algumas famílias e os arcosolia dos mártires. Eles fizeram então escavações em forma de capelas mais ricamente decoradas, com um arcosoliumou um altar livre situado sobre um sarcófago. Ao lado ou por trás encontrava-se a sé episcopal, e ao longo da parede um banco de pedra para o clero. A credência consistia em um nicho feito no tufo ou em suportes talhados em relevo. Ao coro, compartimento no qual ficavam os homens, correspondia, regularmente, do outro lado da galeria, a capela das mulheres, que tinha vista sobre o coro. Uma passagem, luminare, feita na parte superior e dando acima da separação, levava a cada uma das duas naves a luz e o ar constantemente renovado.

Algumas vezes encontramos um terceiro espaço, sem ornamentação de nenhum tipo. Ele estava em comunicação com o presbyterium por uma abertura destinada à transmissão das palavras: é aí que se reuniam os penitentes e os catecúmenos. Nestas criptas morou por um longo tempo toda uma série de papas desde São Pedro até São Marcelo e Santo Eusébio. O santo papa Caio, sobrinho do cruel Diocleciano, permaneceu aí oito anos inteiros. É aí que eles instruíam e batizavam os fiéis, que eles ordenavam os padres e estabeleciam a disciplina eclesiástica. É daí que eles governavam todo o rebanho do Cristo, daí que eles datavam suas bulas pontificais e exerciam seu encargo pastoral e apostólico. É daí que eles enviavam os fiéis, alimentados do pão dos fortes, para o campo de batalha do martírio, e saíam, enfim, eles também, quando se tratava de ir morrer por Jesus Cristo. A santidade inseparável das tumbas e o temor de se expor aos perigos nos labirintos desconhecidos davam a estes refúgios subterrâneos toda a segurança desejada contra os inimigos do nome cristão. Assinalamos, não obstante, circunstâncias excepcionais nas quais esta necrópole deixou de ser um asilo inviolável. Assim, Santo Emerenciano foi apedrejado em uma cripta, São Cândido precipitado por um luminare. Em outro momento, todo um bando de cristãos foi enterrado vivo perto da tumba dos santos mártires Crisanto e Daria. Assim ainda, em 261, o santo papa Sisto II, celebrando os santos mistérios nas Catacumbas, em presença de um grande número de fiéis, foi morto com quatro diáconos. Pouco tempo antes, outro papa tivera o mesmo destino. Era Santo Estevão I. Em virtude de uma ordem imperial, ele foi arrastado ao templo de Marte. Ele escapou por milagre das mãos de seus carrascos e se escondeu com seu clero nas Catacumbas de São Calisto. Por muito tempo ele deu ao seu rebanho, já considerável, todos os cuidados de um bom pastor. Uma tardinha – depois de um dia quente do mês de agosto – os fiéis foram convocados, como de costume, para uma assembléia santa. Aquele que, neste momento, estivesse caminhando na via Ápia, fora dos muros, teria podido ver, de tempo em outro, ou sozinhas ou em pequenos grupos, sombras caminhar rapidamente, resvalar-se e desaparecer atrás dos murros de uma vila solitária. Eram os cristãos que, para o ofício noturno, se apressavam em penetrar no cemitério de Lucina, ramificação das Catacumbas de Calisto. A senha dada, a porta se abria diante deles, e eles percorriam silenciosamente as alamedas subterrâneas fracamente iluminadas. Ei-los chegando. As mulheres, completamente cobertas de véu, se voltam para a esquerda, dando uma saudação silenciosa às viúvas consagradas a Deus. Os homens penetram na capela da direita, da qual um clérigo guarda a entrada. Os arcos e as muralhas estão ornados com pinturas simbólicas, nas quais a luz suave das lâmpadas empresta um charme todo particular. Tudo respira a piedade e o recolhimento. No fundo, sobre o túmulo de um mártir, se levanta um altar simples, onde o diácono prepara os vasos sagrados. Os fiéis que chegam depositam no nicho mural sua oferta de pão e de vinho e esperam em pé que a ação santa comece, enquanto que o clero se coloca no presbyterium. A cena se concentra, sobretudo, na pessoa venerável de Santo Estevão, sentado sobre uma sé de mármore. Seu olhar doce de pai repousa com amor sobre seu pequeno rebanho. Ele se levanta. De sua boca de profeta saem ondas carregadas de palavras de paz e de encorajamento, que penetram os corações dos fiéis e produzem uma emoção poderosa na assembléia. O pontífice sobe então ao altar, e, virado para o povo, ele começa os santos mistérios. Que luminosidade sobrenatural ilumina sua face quando ele eleva as mãos! Que chamas maravilhosas jorram de seus olhos quando ele contempla o Cordeiro de Deus estendido diante dele! É isso o antegozo da felicidade próxima do qual o pressentimento apanhava o nobre ancião?  Escutem… ouvimos um tinido de armas… a luz das tochas já são avistadas na galeria vizinha; uma tropa se aproxima;… são os temíveis servos de César. O respiradouro ou luminare lhes conduziu o som dos cânticos e lhes revelou, por isso, o asilo dos cristãos. Eles abrem violentamente uma passagem. Mas um poder sobre-humano parece cravá-los na soleira da cripta sagrada. O Papa termina o sacrifício, reza pelos perseguidores, e os soldados só saem de seu torpor miraculoso quando Estevão volta para seu trono. Eis então que a tropa se precipita sobre ele, a espada nua, e faz uma vítima gloriosa daquele que agora mesmo oferecia o sacrifício. Eis nossa estrada aplainada. Ela nos conduziu ao fim que nos propomos ao escrever estas páginas. As Catacumbas, pilhadas e devastadas durante a invasão dos bárbaros, mais tarde cobertas de terra em conseqüência de desabamentos, caíram completamente no esquecimento e foram uma região desconhecida até o tempo (1593) de Antonio Bosio, de Malte. Com este sábio, o Cristóvão Colombo da Roma subterrânea, começaram as escavações sérias, destinadas a  despertar o interesse que se liga naturalmente às Catacumbas, e que forneceram as bases da ciência da qual elas são objeto. Mas é para nosso século, e, sobretudo, no reinado glorioso de Pio IX, que estava reservada a glória de dar a estas pesquisas uma impulsão cujos resultados ultrapassam as esperanças mais ousadas. Pio IX, este outro Dâmaso, realizou, durante quase vinte anos, e ao preço dos mais nobres sacrifícios, escavações que permitiram ao ilustre de Rossi publicar, em obras doravante clássicas, uma profusão de descobertas extremamente interessantes e de construir o edifício científico mais completo com a ajuda dos materiais conquistados. É somente após a conclusão destas obras que veremos dele o prêmio imenso para todos os ramos da ciência cristã. Esperamos, não obstante, pela análise dos resultados já adquiridos, poder contribuir, de nossa débil parte, com a apologética do catolicismo.


As Catacumbas de Roma – O Culto dos Santos

Cristo, Pedro e Paulo

Os monumentos que possibilitarão que façamos uma idéia exata da Igreja primitiva são os monumentos fúnebres.

Esta circunstância vai determinar a direção de nossas pesquisas. Estas pesquisas estarão naturalmente circunscritas pelo dogma que tem maior relação com a destinação das Catacumbas, a saber, a comunhão dos santos, ou seja, a Igreja triunfante, a Igreja padecente e a Igreja militante.

As almas dos mortos que morreram na graça divina estão, segundo o ensino da Igreja católica, juntas de Deus; sua morada foi estabelecida na paz do céu; elas gozam da glória e da felicidade eternas. Os túmulos das Catacumbas nos oferecem os mesmos ensinos? Iremos interrogá-los, restaurar as inscrições sepulcrais e a iconografia dos três primeiros séculos, que poderá vir em nosso socorro. Como o nosso espaço é curto, faremos apenas as citações que se justificam por sua importância dogmática.

Percorramos então os seguintes epitáfios:

“Prima, você vive na glória de Deus e na paz de N.S.J.C. VIVIS IN GLORIA DEI ET IN PACE”.
“Cheio de graça e de inocência, Severiano repousa aqui no sono da paz; sua alma foi recebida na luz do Senhor. IN LVCE DOMINI SVSCEPTVS”.

“À merecedora Saxonia: ela repousa em paz na casa eterna de Deus”.
“Lourenço nasceu para a eternidade com a idade de vinte anos; ele descansa em paz. NATVS EST IN ETERNVM”.
“Ursina – Agape – Alogia – Felicíssima – Fortunada, etc.., vivem na paz – em Deus – sempre – eternamente”.
“Hermaniscus, minha luz, vives em nosso Deus e Senhor J.C.”.
“Marciano, neófito, os céus estão abertos para ti, tu viverás na paz. CELI. TIBI. PATENT. BIBES. IN. PACE”.
Enfim:

“Alexandre não morreu; mas ele vive além dos astros; após uma brevíssima vida, ele brilha no céu. IN COELO CORVSCAT”.
Assim, aqueles que dormiram na paz de Deus, os justos repatriados, vivem eternamente. Eles foram admitidos na plenitude da luz de Deus, na casa do Senhor, na glória do Cristo. Eles nasceram para a eternidade; os céus se abriram diante deles; eles brilham aí com uma luminosidade parecida àquela dos astros. Eis a melodia ao mesmo tempo doce e forte que escapa, com um perfeito acordo, do meio dos túmulos subterrâneos, e que traz a consolação nos corações daqueles que esperam ainda o fim de seu exílio. Que protestação solene não há nesta alegre e triunfante harmonia, nesta santa confiança da Igreja apostólica, contra estas opiniões lamentáveis e pretensamente primitivas do século XVII, que não querem saber de nada da Igreja triunfante, que só admitem a entrada no céu para Jesus Cristo, e que declaram que é temerário examinar se as almas dos justos estão na felicidade; que condenam mesmo os mortos a uma espécie de dormição invencível da inteligência e da vontade, a um exílio de vários milhares de anos no vestíbulo do céu, onde eles esperam até o julgamento último a felicidade prometida!

A fé católica não se limita a esta doutrina consoladora que abre o céu às almas dos justos. Ela admite também entre o mundo terreno e o outro mundo, entre a Igreja militante e a Igreja triunfante, uma troca de relações. Todos os homens resgatados são membros de um único corpo em Jesus Cristo, formam uma sociedade, uma família imensa, unida pelo laço da caridade. Esta união espiritual ocorre por meio da oração. Os bem-aventurados nos prestam o socorro de sua intercessão e de sua assistência; do nosso lado, nós lhes pedimos este socorro na veneração e na afeição.

Festa do Ágape

Tal é a doutrina da Comunhão dos santos. Examinemos se ela se revela nas Catacumbas. Aqui, o olhar encontra, sobretudo, acima dos arcosolia, um grande número de imagens de mártires ou de fiéis mortos. Elas estão freqüentemente cercadas de símbolos do paraíso, flores, aves, palmas, e sempre na atitude da oração. Estes braços elevados, esta relação cheia de fervor diz em demasia que, lá no alto, os eleitos não são simples espectadores que se contentam em gozar, mas fiéis associados de seus irmãos ainda em luta sobre a terra.

E esta fé, que expressão poderosa não encontra nas inscrições!

“Sutius, reze por nós, afim que sejamos salvos. PETE PRO NOS (sic) VT SALVI SIMVS”.
“Augenda, vive no Senhor e intercede por nós. EPΩTA”.
“Anatolius, ore por nós. EYXOY”.
“Filho, que teu espírito descanse em Deus; interceda por tua irmã. PETAS”.
“Matronata Matrona, ore por teus pais Ela viveu um ano e cinquenta e dois dias. PETE”.
“Atticus, teu espírito vive no Bem: implore por teus pais”.
“Joviano, viva em Deus e seja nosso intercessor”.
“Sabatius, doce coração, ore e implore por teus irmãos e teus companheiros. PETE ET ROGA”.
“Aqui descansa Ancilladei. Ore pelo único filho que te sobreviveu, porque tua morada está na paz e na felicidade eternas”.
“À minha digníssima filha adotiva Felicidade, que viveu trinta e seis anos”. “Dignai-se em orar por teu esposo Celsiniano”.
“Gentiano, o fiel, em paz. Ele viveu 21 anos… em tuas orações interceda por nós, porque sabemos que está em J.C.”.
Enfim, para concluir a série dos exemplos que citamos:
“À nossa dulcíssima e trabalhadora mãe Catianilla: que ela reze por nós EYXOITO”.
É assim que os olhos e o coração dos sobreviventes atravessam o sepulcro e penetram até ao céu. É assim que o olhar e o amor procuram e encontram os eleitos, os assaltam com orações ferventes, lhes fazem participantes de suas penas com uma confiança infantil e lhes fazem piedosas recomendações. Não está aí a verdadeiro espírito católico na plenitude da caridade e na infalibilidade da certeza?

Mas, dirão alguns, estas invocações piedosas, estas orações dirigidas aos santos, não são, talvez, apenas homenagens privadas, que não supõem nem determinam um culto público, oficial, litúrgico?

A isto responderemos: A partir do momento em que se trata de uma prática litúrgica, relativa ao culto dos santos, trata-se de um princípio católico que não é legado ao arbítrio individual; não obstante, não faltam monumentos que testemunham as homenagens dadas pela Igreja aos bem-aventurados. Há nas Catacumbas dois tipos de inscrições que tem feição com o culto, ambas caracterizadas liturgicamente pela expressão ainda em uso: Em nome de… IN NOMINE.

Elas compreendem: 1º votos suplicativos em nome de Deus, do Cristo ou de Deus Cristo. Por exemplo:

“Zózimo, vive em nome do Cristo”.
“À Selia Victorina, que descansa na paz em nome do Cristo”.
Nestes casos, a invocação se dirige diretamente a Deus, único adorável, único onipotente, único dispensador das graças. Mas há também em segundo outras invocações em nome de um santo; e então a oração se dirige indiretamente a Deus, diretamente ao poder de intercessão do santo. Um túmulo, entre outros, fala assim:

“Rufa, viverá na paz do Cristo, em nome de São Pedro”.
Ou seja, por meio de sua intercessão. Sobre um cálice descoberto nas Catacumbas, se lê esta inscrição em letras douradas: “Vito, vive em nome de Lourenço”; em outro, no mesmo sentido, se lê: “Eliano, vive em Jesus Cristo e São Lourenço”, ou seja, vive na graça de Jesus Cristo, pela intercessão de São Lourenço.

O culto público dado aos santos está doravante provado pelo fato incontestável que davam aos mártires mais ilustres, por um tipo de canonização, títulos honoríficos em uso na Igreja, por exemplo: “Senhor, Poderoso intercessor diante do trono de Deus, DOMINVS, DOMNVS ou simplesmente D.”

A partir do século III já se observa o título de Santo (dominus), Sanctus. É assim que encontramos saudações no gênero destas aqui: “Senhor Pedro, Paulo, Estevão, Sisto, etc.; Senhora, Domina Basila”, etc.. Mais tarde lemos: “Ao santo mártir Máximo”; “Ao Pai onipotente, ao seu Cristo e aos santos mártires Taurinus e Herculanus, eternas ações de graças da parte de Nevius, Diaristus e Constantino”.

Não pretendemos acumular as provas epigráficas, mas buscar a luz ainda em outras partes, nas pinturas e nas imagens.

Cenas Bíblicas:

Mulher com Fluxo de Sangue

Sacrifício de Isaac

Profeta Jonas

Os Três homens da Fornalha


Ressurreição de Lázaro


Suzana Entre os Dois Anciôes


Fonte: Dom Maurus Wolter. Les Catacombes de Rome et la doctrine catholique. Paris, G. Téqui, 1872.

Tradução: Robson Carvalho